(PC) Aula 1 | Livro | Uma breve história da Ciência | William Bynum (L&PM) | Mestrado | Ciências dos Materiais - UFMS
1ª ATIVIDADE | PESQUISA CIENTÍFICA: CONCEPÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PUBLICAÇÃO | CIÊNCIA DOS MATERIAIS
Estudo dirigido com referências bibliográficas
Por Eng. Civil e Mestrando João Manoel de Andrade
Publicado em 21
Publicado em 21
- Capítulo 1 ;
- Capítulo 2 ;
- Capítulo 3 ;
- Capítulo 4 ;
- Capítulo 5 .
Apoio Engenharia Civil
A CIÊNCIA É ESPECIAL. É a melhor forma que temos de descobrir coisas sobre o mundo e
tudo o que faz parte dele – e isso nos inclui.
As pessoas fazem perguntas sobre o que veem ao redor há milhares de anos. As
respostas sugeridas sofreram muitas mudanças. Assim como a própria ciência. A ciência é
dinâmica, desenvolvendo-se sobre ideias e descobertas que uma geração passa para a
próxima, bem como avançando a passos largos quando são feitas novas descobertas. O que
não mudou é a curiosidade, a imaginação e a inteligência daqueles que fazem ciência. Talvez
saibamos mais hoje, porém as pessoas que refletiram a fundo sobre o mundo três mil anos
atrás eram tão inteligentes quanto nós.
Este livro não é apenas sobre microscópios e tubos de ensaio em laboratórios, embora
isso seja o que a maioria das pessoas imagina quando pensa em ciência. Durante a maior parte
da história humana, a ciência foi usada em conjunto com magia, religião e tecnologia para
tentar entender e controlar o mundo. A ciência pode ser algo tão simples quanto observar o
nascer do Sol a cada manhã ou tão complexo como identificar um novo elemento químico.
Magia pode ser a previsão do futuro de acordo com as estrelas ou o que chamaríamos de
superstição, como não cruzar o caminho de um gato preto. A religião pode fazer com que se
sacrifique um animal para acalmar os deuses ou orar pela paz mundial. A tecnologia pode
incluir o conhecimento de como acender uma fogueira ou construir um novo computador.
Ciência, magia, religião e tecnologia foram usadas pelas primeiras sociedades humanas
que se assentaram em vales fluviais na Índia, na China e no Oriente Médio. Os vales fluviais
eram férteis, o que permitia plantações a cada ano, o bastante para alimentar uma comunidade
grande. Por consequência, algumas pessoas dessas comunidades tiveram tempo suficiente para
se concentrar em uma coisa, praticar e praticar até se especializar em algo. Os primeiros
“cientistas” (apesar de não se chamarem assim naquela época) eram provavelmente
sacerdotes.
No início, a tecnologia (que tem a ver com “fazer”) era mais importante do que a
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ciência (que se refere a “conhecer”). Você precisa saber o que fazer, e como fazê-lo, antes de
poder cultivar a plantação com êxito, criar roupas ou cozinhar os alimentos. Não é preciso
saber por que algumas frutas são venenosas, ou algumas plantas comestíveis, para aprender a
evitar uma e cultivar a outra. Não é preciso saber o porquê de o Sol nascer todas as manhãs e
se pôr a cada noite para que isso aconteça todos os dias. Mas os seres humanos não são
apenas capazes de aprender sobre o mundo ao redor; também são curiosos, e essa curiosidade
está no cerne da ciência.
Sabemos mais sobre o povo da Babilônia (atual Iraque) do que sobre outras
civilizações antigas por um simples motivo: eles escreviam em tabuletas de argila. Milhares
dessas tabuletas, escritas há quase seis mil anos, sobreviveram. Elas nos contam como os
babilônios viam o mundo. Eram extremamente organizados, mantendo registros meticulosos de
colheitas, armazenamentos e finanças estatais. Os sacerdotes dedicavam muito tempo a cuidar
dos fatos e das cifras da vida antiga. Também eram os principais “cientistas”, responsáveis
por fazer levantamento topográfico, medir distâncias, olhar para o céu e desenvolver técnicas
de contagem. Ainda usamos algumas de suas descobertas hoje em dia. Assim como nós,
usavam marcas de cálculo para contar; é quando fazemos quatro traços verticais e os cruzamos
na diagonal com um quinto risco, algo que você já deve ter visto em desenhos animados de
celas de prisão, feitos pelos prisioneiros para contar quantos anos estão encarcerados. Muito
mais importante ainda, foram os babilônios que disseram que deveria haver sessenta segundos
em um minuto e sessenta minutos em uma hora, bem como 360 graus em um círculo e sete dias
na semana. É engraçado pensar que não há um motivo real para que sessenta segundos
componham um minuto, nem para que sete dias representem uma semana. Outros números
também teriam funcionado. Mas o sistema babilônico foi assimilado em outro lugar e manteve-
se.
Os babilônios eram bons em astronomia, ou seja, na análise do firmamento. Ao longo
de muitos anos, começaram a reconhecer padrões nas posições das estrelas e dos planetas no
céu à noite. Acreditavam que a Terra estava no centro das coisas e que existiam conexões
poderosas – mágicas – entre nós e as estrelas. Apesar de acreditarem que a Terra era o centro
do universo, as pessoas não a consideravam um planeta. O céu noturno foi dividido em doze
partes, e cada parte recebeu um nome associado a certos grupos (ou “constelações”) de
estrelas. Por meio de um jogo celestial de conectar os pontos, os babilônios viam imagens de
objetos e animais em algumas constelações, como um conjunto de balanças e um escorpião.
Esse foi o primeiro zodíaco, a base da astrologia, que é o estudo da influência das estrelas
sobre nós. Havia uma ligação íntima entre astrologia e astronomia na Babilônia antiga – e por
muitos séculos depois disso. Hoje, muitas pessoas sabem sob qual signo do zodíaco nasceram
(eu sou taurino) e leem o horóscopo em jornais e revistas em busca de conselhos sobre a vida.
Porém, a astrologia não é parte da ciência moderna.
Os babilônios eram apenas um entre diversos grupos poderosos no Oriente Médio
antigo. Sabemos mais sobre os egípcios, que se estabeleceram ao longo do rio Nilo em 3500
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a.C. Nenhuma civilização antes ou depois foi tão dependente de um único recurso natural. Os
egípcios deviam sua própria existência ao Nilo, pois a cada ano, quando inundava, o poderoso
rio trazia um sedimento rico para suprir a terra em torno de suas margens e, com isso, prepará-
la para as plantações do ano seguinte. O Egito é muito quente e seco, por isso muitas coisas
sobreviveram para que as pudéssemos admirar e aprender hoje, inclusive muitas imagens e um
tipo de escrita pictórica chamada de hieróglifo. Depois que o Egito foi conquistado, primeiro
pelos gregos e, a seguir, pelos romanos, desapareceu a capacidade de ler e escrever
hieróglifos e, então, por quase dois mil anos, o significado dessa escrita permaneceu perdido.
Então, em 1798, um soldado francês encontrou uma tabuleta redonda em uma pilha de entulho
em uma cidadezinha próxima a Roseta, ao norte do Egito. Ela continha uma proclamação
escrita em três idiomas: hieróglifo, grego e até uma forma mais antiga de escrita egípcia
chamada demótica. A Pedra Roseta hoje está em Londres, onde é possível vê-la no Museu
Britânico. Que grande avanço! Os acadêmicos podiam ler o grego e, portanto, traduzir os
hieróglifos, decodificando a misteriosa escrita egípcia. Agora se pode, de fato, começar a
aprender sobre as crenças e práticas dos egípcios antigos.
A astronomia egípcia era semelhante à dos babilônios, mas a preocupação egípcia com
a vida após a morte significava que eles eram mais práticos na observação das estrelas. O
calendário era muito importante, não só para dizer quando era o melhor momento para plantar
ou quando esperar a inundação do Nilo, mas também para planejar festivais religiosos. O ano
“natural” deles era de 360 dias – isto é, doze meses compostos de três semanas com duração
de dez dias – e adicionavam cinco dias extras no fim do ano para não bagunçar as estações.
Os egípcios pensavam que o universo tinha a forma de uma caixa retangular, com o mundo
deles na base da caixa e o Nilo fluindo exatamente pelo centro desse mundo. O início do ano
coincidia com a inundação do Nilo, e com o tempo o associaram à ascensão da estrela mais
brilhante do céu noturno, que chamamos de Sirius.
Assim como na Babilônia, os sacerdotes eram importantes nas cortes dos faraós, os
governantes egípcios. Os faraós eram considerados divinos e em condições de usufruir de uma
vida após a morte. Esse é um dos motivos pelos quais construíram as pirâmides, que, na
verdade, são monumentos fúnebres gigantescos. Os faraós, seus parentes e outras pessoas
importantes, junto com servos, cães, gatos, mobília e suprimentos alimentares, eram colocados
nessas estruturas grandiosas para aguardar a nova vida no próximo mundo. Para preservar os
corpos de pessoas importantes (afinal, não adiantaria nada aparecer no além putrefato e
fétido), os egípcios desenvolveram formas de embalsamar os mortos. Isso significava, em
primeiro lugar, a remoção dos órgãos internos (utilizavam um gancho comprido para retirar o
cérebro pelas narinas), que eram colocados em potes especiais. Produtos químicos serviam
para preservar o restante do corpo, que depois era envolto em linho e colocado em um túmulo
no seu local final de descanso.
Os embalsamadores devem ter tido uma boa ideia da aparência do coração, dos
pulmões, do fígado e dos rins. Infelizmente, não descreveram os órgãos removidos, então não
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sabemos o que acreditavam que os órgãos faziam. No entanto, sobreviveram outros papiros
médicos, os quais discorrem sobre a medicina e a cirurgia egípcias. Como era comum na
época, os egípcios acreditavam que uma mistura de questões religiosas, mágicas e naturais
causava doenças. Os curandeiros recitavam feitiços enquanto administravam remédios aos
pacientes.
No entanto, muitas das curas inventadas pelos egípcios parecem mesmo ter origem na
observação atenta das enfermidades. Alguns dos medicamentos usados em curativos para
ferimentos após lesão ou cirurgia podem ter protegido a ferida contra germes e, com isso,
auxiliado na cicatrização. Isso ocorreu milhares de anos antes que soubéssemos o que eram os
germes.
Naquela fase da história, cálculo, astronomia e medicina eram os três campos
“científicos” mais óbvios de atividade. Cálculo, porque é preciso saber “quantos” antes de
poder plantar colheitas e negociar com outras pessoas ou para ver se há um número suficiente
de soldados ou construtores de pirâmides à disposição. Astronomia, porque o Sol, a Lua e as
estrelas estão tão intimamente relacionados aos dias, meses e estações, que o registro
cuidadoso de suas posições é essencial para os calendários. Medicina, porque quando as
pessoas ficam doentes ou se machucam, é natural que busquem ajuda. Contudo, em cada um
desses casos, magia, religião, tecnologia e ciência estavam misturadas e, para essas antigas
civilizações do Oriente Médio, temos que usar a imaginação para descobrir por que as
pessoas faziam o que faziam ou como era o cotidiano das pessoas comuns.
É sempre difícil saber sobre pessoas comuns, pois eram basicamente os mais
poderosos, por saberem ler e escrever, que deixavam os registros da história. Isso também é
válido para outras duas civilizações antigas que começaram mais ou menos na mesma época,
porém na distante Ásia: China e Índia.
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CAPÍTULO 2
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AGULHAS E NÚMEROS
CONTINUE VIAJANDO PARA O LESTE, vindo da Babilônia e do Egito, e você
encontrará terras onde floresceram civilizações antigas nos dois lados dos Himalaias
rochosos, na Índia e na China. Algo em torno de cinco mil anos atrás, as pessoas viviam lá em
vilarejos e cidades localizadas ao longo dos vales dos rios Indo e Amarelo. Naquele tempo,
Índia e China eram territórios imensos, maiores até do que o são hoje. Ambos eram parte de
vastas redes de comércio por via terrestre e marítima – canalizadas ao longo de rotas
específicas – e seu povo desenvolvera a escrita e a ciência em um nível avançado. Um
ajudava o outro: a ciência beneficiava o comércio, e a riqueza do comércio permitia o luxo do
estudo. De fato, até aproximadamente 1500, a ciência nessas civilizações era, no mínimo, tão
avançada quanto na Europa. A Índia nos deu os números e uma paixão pela matemática. Da
China vieram papel e pólvora, além daquele aparelho indispensável para a navegação: a
bússola.
Hoje, a China é uma das maiores potências do mundo. Artigos como roupas, brinquedos
e eletrônicos feitos lá são vendidos em todo o planeta: confira a etiqueta nos seus tênis.
Porém, durante séculos as pessoas do Ocidente olhavam para esse vasto país com
divertimento ou suspeita. Os chineses agiam do seu próprio jeito; o país deles parecia ser
misterioso e imutável.
Agora sabemos que a China sempre foi um país dinâmico e que sua ciência também
estava em constante mudança. Mas uma questão permaneceu inalterada ao longo dos séculos: a
escrita. A escrita chinesa é composta de ideogramas, pequenas imagens que representam
objetos, os quais têm uma aparência esquisita para usuários de alfabetos como nós. Porém, se
você sabe interpretar as figurinhas, significa que consegue ler textos chineses antigos –
antiquíssimos – com a mesma facilidade com que lê publicações mais recentes. Na verdade,
temos que agradecer à China pela invenção do papel, que facilitou em muito a escrita. O
exemplo mais antigo conhecido é de aproximadamente 150 d.C.
Governar a China nunca foi fácil, mas a ciência podia ajudar. Talvez o maior projeto de
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engenharia de todos os tempos, a Grande Muralha da China teve início no século V a.C.
durante a dinastia Zhou oriental. (A história chinesa é dividida em dinastias, associadas a
poderosos governantes e suas cortes.) A muralha servia para manter os bárbaros do norte do
lado de fora, bem como para manter os chineses do lado de dentro! Sua conclusão levou
séculos, sendo continuamente ampliada ou reparada, e agora se estende por 8.850 km.
(Durante alguns anos, as pessoas acreditaram que a muralha poderia ser vista do espaço, mas
não é verdade: um astronauta da própria China não conseguiu avistar a estrutura.) Outro feito
notável de engenharia, o Grande Canal foi iniciado sob a Dinastia Sui no século V.
Aproveitando algumas hidrovias naturais no caminho, o canal de 1.600 km conectava a grande
cidade continental de Pequim, ao norte, com Hangzhou, na costa sul, e a partir daí com o
mundo exterior. Esses monumentos são lembretes poderosos da habilidade dos agrimensores e
engenheiros chineses, mas também do tremendo valor do trabalho humano pesado exigido por
tais construções. Os chineses inventaram o carrinho de mão, mas os trabalhadores ainda
tinham que cavar, empurrar e construir.
Os chineses viam o universo como um tipo de organismo vivo, no qual forças
conectavam tudo. A força ou energia fundamental era chamada de Qi (pronuncia-se “tchi”).
Duas outras forças básicas eram yin e yang: yin, o princípio feminino, era associado às trevas,
nuvens e umidade; yang, o princípio masculino, a ideias de luz solar, calor e ternura. As coisas
nunca são inteiramente yin ou yang – as duas forças sempre se combinam em vários graus. De
acordo com a filosofia chinesa, cada um de nós tem um pouco de yin e um pouco de yang, e a
combinação exata afeta quem somos e a maneira como nos comportamos.
Os chineses acreditavam que o universo era composto de cinco elementos: água, metal,
madeira, fogo e terra. Esses elementos não eram apenas a água ou o fogo comuns que vemos
ao nosso redor, mas princípios que se uniam para compor o mundo e o firmamento. Cada um
tinha características diferentes, é evidente, mas também poderes entrelaçados, como os
bonecos Transformers. Por exemplo, a madeira pode dominar a terra (uma pá de madeira pode
escavá-la); o metal pode esculpir a madeira; o fogo pode derreter o metal; a água pode apagar
o fogo e a terra pode represar a água. (Pense no jogo Pedra, Papel e Tesoura, que, aliás, foi
inventado na China.) Esses elementos, combinados com as forças de yin e yang, produzem os
ritmos cíclicos do tempo e da natureza, as estações, os ciclos de nascimento e morte, os
movimentos do Sol, das estrelas e dos planetas.
Uma vez que tudo é composto desses elementos e dessas forças, tudo está, em algum
sentido, vivo e unificado. Por isso, a noção do “átomo” como uma unidade básica de matéria
nunca se desenvolveu na China. Nem os filósofos naturais chineses acreditavam que deviam
expressar tudo com números para que fosse “científico”. A aritmética era bastante prática:
fazer cálculos ao comprar e vender, pesar mercadorias, e assim por diante. O ábaco, um
dispositivo com contas deslizantes em fios no qual você talvez saiba contar, foi mencionado
por escrito no final dos anos 1500. Provavelmente foi inventado antes. Um ábaco acelera a
contagem, bem como adição, subtração, multiplicação e divisão.
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Os números também eram usados para calcular a duração dos dias e dos anos. Desde
1400 a.C., os chineses sabem que o ano tem duração de 365 e 1/4 e, como a maioria das
civilizações antigas, usavam a lua para calcular os meses. Como ocorria com todos os povos
antigos, os chineses mediam o ano de acordo com o tempo necessário para o Sol voltar a seu
ponto inicial no céu. Os ciclos nos movimentos de planetas como Júpiter e das estrelas
encaixam-se com perfeição na ideia de que tudo na natureza é cíclico. A “Grande Origem
Suprema Definitiva” era um cálculo imenso para descobrir quanto tempo levaria para que o
universo inteiro fizesse um ciclo completo: 23.639.040 anos. Isso queria dizer que o universo
era bem antigo (embora saibamos agora que ele é muito mais antigo). Os chineses também
pensaram em como o universo está estruturado. Alguns dos primeiros mapas estelares
chineses mostram que entendiam como representar, em um mapa bidimensional, elementos que
existem em um espaço curvo. Xuan Le, que viveu na posterior dinastia Han (25-220),
acreditava que o Sol, a Lua e as estrelas flutuavam no espaço vazio, impulsionados pelos
ventos. Isso era bastante distinto da antiga crença grega de que esses corpos celestes estavam
fixos em esferas sólidas e é muito mais semelhante a como entendemos o espaço atualmente.
Os observadores de estrelas na China registravam eventos incomuns com muita atenção, por
isso seus registros, já que se estendem a datas antigas, ainda são úteis para astrônomos
modernos.
Como os chineses acreditavam que a Terra era muito antiga, não tinham dificuldade em
reconhecer fósseis como os restos endurecidos de vegetais e animais que já estiveram vivos.
As pedras eram agrupadas de acordo com critérios como dureza e cor. O jade tinha uma
valorização especial, e os artesãos criavam lindas estátuas a partir de pedaços dessa pedra.
Os terremotos são comuns na China e, embora ninguém soubesse explicar por que ocorrem, no
século II um homem muito culto, chamado Zhang Heng, usou um peso pendente que oscilava
quando a Terra tremia para registrar os tremores terrestres. Essa é uma versão precoce do que
chamamos de sismógrafo, uma máquina que desenha uma linha reta até que a Terra se mova,
fazendo com que oscile.
O magnetismo era entendido para fins práticos. Os chineses aprenderam a magnetizar o
ferro aquecendo-o a uma temperatura alta e deixando-o resfriar enquanto estava apontado na
direção norte-sul. A China tinha bússolas muito antes de serem conhecidas no Ocidente, as
quais eram usadas para navegação e previsão da sorte. Na maioria das vezes, eram
“molhadas”: apenas uma agulha magnetizada flutuando em uma tigela de água. Estamos
acostumados a dizer que as agulhas da bússola apontam para o norte, mas para os chineses
elas indicavam o sul. (É claro que nossas bússolas também apontam para o sul – só que com a
extremidade oposta da agulha. Não importa a direção escolhida, contanto que todos estejam de
acordo.)
Os chineses eram químicos talentosos. Muitos dos melhores eram taoístas, membros de
um grupo religioso que seguia Lau Tsu, que viveu entre os séculos VI e IV a.C. (Tao significa
“caminho”.) Outros eram seguidores de Confúcio ou de Buda. As filosofias desses líderes
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religiosos influenciavam as atitudes de seus seguidores em relação ao estudo do universo. A
religião sempre influenciou a maneira como as pessoas enxergam o ambiente.
A química que os chineses praticavam era bastante sofisticada para a época. Por
exemplo, eles sabiam destilar álcool e outras substâncias, além de extrair cobre de soluções.
Ao misturar carvão, enxofre e nitrato de potássio, criaram a pólvora, que foi o primeiro
explosivo químico e o ponto de partida para a invenção dos fogos de artifício e das armas.
Pode-se dizer que a pólvora demonstrou o yin e yang do mundo químico: explodia lindamente
em exibições espetaculares de fogos de artifício na corte e, ao mesmo tempo, era usada para
disparar armas em campos de batalha orientais desde o século X. Não se sabe bem ao certo
como a receita e as instruções para fazer essa poderosa substância chegaram à Europa, mas
existe por lá uma descrição na década de 1280. Aos poucos, tornou mais letais as guerras em
todos os lugares.
Os chineses também tinham alquimistas, que buscavam o “elixir da vida”: uma
substância que prolongaria o tempo de vida ou, quem sabe, até nos tornaria imortais. (O
Capítulo 9 fala mais sobre a alquimia.) Não a encontraram e, na realidade, diversos
imperadores teriam vivido mais tempo se não tivessem ingerido essas “curas” experimentais e
venenosas. Porém, a busca por essa substância mágica revelou muitas drogas que puderam ser
usadas para tratar doenças comuns. Assim como na Europa, os médicos chineses usavam
extratos de plantas para tratar doenças, mas também criavam compostos a partir de enxofre,
mercúrio e outras substâncias. A planta artemísia era usada para tratar a febre. Era
transformada em extrato e aplicada na pele em pontos específicos para auxiliar o fluxo dos
“sucos vitais”. A receita e o método foram descobertos há pouco em um livro sobre drogas
escrito há cerca de 1.800 anos. Testado em laboratório moderno, constatou-se ser eficiente
contra a malária, uma das principais causas de morte atualmente em países tropicais. Um dos
sintomas da malária é febre alta.
Os livros médicos começaram a ser escritos na China já no século II a.C., e a medicina
antiga chinesa continua a existir em todo o mundo moderno. A acupuntura, que envolve a
inserção de agulhas em certas áreas da pele, é amplamente praticada para ajudar a curar
doenças, lidar com o estresse e aliviar a dor. Ela é baseada na ideia de que o corpo possui
uma série de canais pelos quais flui a energia Qi e, portanto, o acupunturista usa as agulhas
para estimular ou desbloquear esses canais. Por vezes, são realizadas operações com pouco
mais do que agulhas inseridas no corpo do paciente para bloquear a dor. Cientistas chineses
modernos trabalham como seus colegas ocidentais, mas a medicina chinesa tradicional (MCT)
ainda tem muitos seguidores por todo o mundo.
O mesmo é válido para a medicina indiana tradicional. Ela é chamada de Ayurveda e
baseia-se em obras conhecidas por esse nome, escritas no idioma antigo sânscrito, entre cerca
de 200 a.C. e 600 d.C. A Ayurveda ensina que há fluidos no corpo, chamados doshas. Há três
deles: vata é seco, frio e luz; pitta é quente, amargo e pungente; kapha é frio, pesado e doce.
Esses doshas são necessários para o funcionamento adequado de nossos corpos, e quando há
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um excesso ou escassez de um ou mais deles, ou quando estão no local errado, o resultado são
doenças. A inspeção da pele do paciente e a medição do pulso também eram muito
importantes para o médico indiano tentar decidir qual era a doença. Drogas, massagem e
dietas especiais podiam corrigir o desequilíbrio. Médicos indianos usavam o suco da
papoula, que produz o ópio, para acalmar os pacientes e aliviar a dor.
Outra antiga obra médica indiana, o Susruta, concentrava-se na cirurgia. Algumas das
operações descritas são incrivelmente delicadas para aquele período primitivo. Por exemplo,
quando um paciente sofria de catarata (uma turvação no cristalino do olho que dificulta a
visão), o cirurgião enfiava com suavidade uma agulha no globo ocular e empurrava a catarata
para um lado. Os cirurgiões indianos também usavam pedaços da própria pele do paciente
para reparar narizes danificados, o que talvez seja o primeiro exemplo do que chamamos de
cirurgia plástica.
Essa medicina ayurvédica estava associada a profissionais hindus. Quando também se
estabeleceram na Índia em torno de 1590, os muçulmanos levaram suas ideias médicas,
baseadas na antiga medicina grega interpretada pelos primeiros médicos islâmicos. Essa
medicina, chamada Yunani (que significa “grego”), desenvolveu-se lado a lado com o sistema
ayurvédico. Ambas continuam a ser usadas na Índia hoje em dia, junto com a medicina com a
qual estamos familiarizados – a medicina ocidental.
A Índia tinha suas próprias tradições científicas. Os observadores de estrelas na Índia
conferiam sentido ao firmamento, às estrelas, ao Sol e à Lua inspirando-se na obra do
astrônomo grego Ptolomeu e em alguns trabalhos científicos da China que foram levados por
missionários budistas indianos. Havia um observatório em Ujjain, e um dos primeiros
cientistas indianos cujo nome é conhecido, Varahamihira (c. 505), trabalhava lá. Ele
colecionava antigas obras astronômicas e acrescentava as próprias observações. Bem mais
tarde, no século XVI, foram construídos observatórios em Deli e Jaipur. O calendário indiano
era bastante preciso e, assim como os chineses, os indianos acreditavam que a Terra era muito
antiga. Um de seus ciclos astronômicos tinha duração de 4.320.000 anos. Os indianos
compartilhavam a busca de um elixir que traria vida longa. Também buscavam uma forma de
criar ouro a partir de metais comuns. No entanto, a contribuição mais importante feita pela
ciência indiana foi a matemática.
Foi da Índia, através do Oriente Médio, que vieram os números chamados de
“arábicos”: os populares 1, 2, 3, e assim por diante. A ideia do “zero” também veio pela
primeira vez da Índia. Junto com os números que ainda se usam, os matemáticos indianos
também tiveram a ideia básica da “marcação de lugar”. Considere um número como 170. O
“1” equivale a 100, marcando o lugar da “centena”; o “7” representa 70, que marca a posição
da “dezena”; e o “0” marca o lugar das “unidades”. É algo tão natural para nós que nem
pensamos nisso, mas, se não tivéssemos a marcação de lugar, a escrita de números grandes
seria muito mais complicada. O mais famoso entre os matemáticos indianos antigos,
Brahmagutpa, que viveu no século VII, descobriu uma maneira de calcular os volumes de
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prismas e de outras figuras. Ele foi a primeira pessoa a mencionar o número “0” e sabia que
qualquer coisa multiplicada por zero é zero. Foram precisos quase quinhentos anos até que
outro matemático indiano, Bhaskara (nascido em 1115), chamasse atenção para o fato de que
qualquer coisa dividida por zero seria igual a infinito. Modernas explicações matemáticas do
mundo seriam impossíveis sem esses conceitos.
Embora sistemas médicos tradicionais na Índia e na China ainda sejam concorrentes da
medicina ocidental, na ciência é diferente. Cientistas indianos e chineses trabalham com as
mesmas ideias, ferramentas e metas que seus colegas em qualquer outra parte do mundo. Seja
na Ásia ou em outro lugar, a ciência agora é uma ciência universal, que se desenvolveu no
Ocidente.
Mas não se esqueça de que recebemos os números da Índia, e o papel, da China.
Escreva a tabela dos nove e estará usando dons que são antiquíssimos, com origem no Oriente.
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CAPÍTULO 3
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ÁTOMOS E O VAZIO
EM TORNO DE 454 A.C., o historiador grego Heródoto (c. 485-425 a.C.) visitou o
Egito. Assim como nós, ficou impressionado com as pirâmides e as estátuas gigantescas –
dezoito metros de altura – em Tebas, subindo o Nilo. Não conseguia acreditar em como tudo
era tão antigo. A glória do Egito havia passado, e há muito já fora invadido pelos persas.
Heródoto vivia em uma sociedade muito mais jovem e vigorosa, que ainda estava no auge e
que conquistaria o Egito um século mais tarde, sob o comando de Alexandre, o Grande (356-
323 a.C.).
Na época de Heródoto, as pessoas que pensavam e escreviam em grego dominavam
uma parte crescente do Mediterrâneo oriental. Elas escreveram as obras de Homero, o poeta
cego, como a história de como os gregos derrotaram os troianos construindo um cavalo gigante
e escondendo-se dentro dele, bem como a fantástica jornada de volta à casa do soldado grego
Odisseu, que fora o mentor da Guerra de Troia. Os gregos eram ótimos construtores de navios,
comerciantes e pensadores.
Um dos primeiros desses pensadores foi Tales (c. 625-545 a.C.), um mercador,
astrônomo e matemático de Mileto, na costa do que hoje é a Turquia. Nada do que escreveu
sobreviveu diretamente, mas autores posteriores o citam e contam anedotas que ilustram como
ele era. Uma deles diz que, certa vez, ele estava tão ocupado olhando para as estrelas que se
esqueceu de ver onde estava pisando e caiu em um poço. Em outra história, Tales se sai por
cima: como era inteligente, conseguiu perceber que haveria uma colheita enorme de azeitonas.
Contratou todas as prensas de azeite de oliva bem antes da colheita, quando ninguém
precisava delas, e, quando chegou a hora, pôde alugá-las e obter um bom lucro. Tales não foi
o primeiro professor distraído – conheceremos outros mais adiante – nem o único a ganhar
dinheiro aplicando ciência.
Diz-se que Tales visitou o Egito e levou matemáticos egípcios para os gregos. Talvez
seja apenas outra história, como aquela em que prevê um eclipse total do Sol com precisão
(ele não sabia astronomia o bastante para fazê-lo). O mais provável, porém, era a forma como
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tentava explicar muitos eventos naturais, como a fertilização da terra pela inundação do Nilo e
como os terremotos eram causados pelo superaquecimento da água no interior da crosta
terrestre. Para ele, a água era o elemento principal, e ele imaginava a Terra como um disco
flutuando em um oceano enorme. Pode parecer engraçado para nós, mas a questão é que Tales
realmente queria explicar as coisas em termos naturais, em vez de sobrenaturais. Os egípcios
acreditavam que o Nilo inundava por causa dos deuses.
Divergindo de Tales, Anaximandro (c. 611-547 a.C.), também de Mileto, acreditava que
o fogo era a substância mais importante do universo. Empédocles (c. 500-430 a.C.), da
Sicília, propôs a ideia da existência de quatro elementos: ar, terra, fogo e água. Essa ideia soa
familiar para nós porque se tornou o modo padrão de pensadores por quase dois mil anos, até
o fim da Idade Média.
Ser o modo padrão não significa, de modo algum, que todos aceitavam o esquema dos
quatro elementos como palavra definitiva. Também na Grécia e, mais tarde, em Roma, um
grupo de filósofos, conhecidos como atomistas, acreditava que o mundo é, de fato, composto
de partículas minúsculas chamadas átomos. O mais famoso dos primeiros atomistas foi
Demócrito, que viveu em torno de 420 a.C. O que sabemos de suas ideias origina-se de alguns
fragmentos de seu pensamento citados por outros autores. Demócrito pensava que, no
universo, havia muitos átomos e que eles sempre existiram. Os átomos não podiam ser
divididos nem destruídos. Embora fossem pequenos demais para serem vistos, ele acreditava
que deviam ter diferentes formatos e tamanhos, o que explicaria por que as coisas compostas
de átomos têm gostos, texturas e cores distintos. Contudo, essas coisas maiores só existem
porque nós, humanos, temos paladar, tato e visão. Na realidade, Demócrito insistia, não há
nada além de “átomos e o vazio”, o que chamamos de matéria e espaço.
O atomismo não era tão popular, sobretudo a visão de Demócrito e de seus seguidores
de como as coisas vivas “evoluíam” por um tipo de tentativa e erro. Uma versão engraçada
sugeria que, certa vez, houve um grande número das várias partes de vegetais e animais com o
potencial de se agrupar em qualquer tipo de combinação – a tromba de um elefante podia
prender-se a um peixe, uma pétala de rosa a uma batata etc. – antes de finalmente se
encaixarem nas formas que vemos agora. A ideia era que, se a pata de um cão sofresse uma
combinação acidental com um gato, esse animal não sobreviveria, por isso não existiam gatos
com patas de cachorro. Após um tempo, portanto, todas as patas de cães iam parar nos
cachorros e – ainda bem – todas as pernas humanas acabavam parando nos humanos. (Outra
versão da evolução dos gregos antigos parece mais realista, mesmo que um pouco repulsiva:
supunha-se que todas as coisas vivas passaram a existir, de forma gradual, a partir de um lodo
muito antigo.)
Uma vez que não vê propósito final ou grande projeto do universo, com as coisas
simplesmente acontecendo por sorte e necessidade, a maioria das pessoas não gostava do
atomismo. Era uma visão bastante desoladora, e a maior parte dos filósofos gregos buscava
propósito, verdade e beleza. Os gregos que viveram na mesma época de Demócrito e seus
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colegas atomistas teriam escutado seus argumentos completos; o que sabemos deles é apenas
por meio de citações e discussões de filósofos posteriores. Um atomista que viveu em tempos
romanos, Lucrécio (c. 100-c. 55 a.C), escreveu um belo poema científico, De rerum natura
(“Da natureza das coisas”). Nesse poema, descreveu o firmamento, a Terra e tudo contido
nela, inclusive a evolução das sociedades humanas, em termos do atomismo.
Sabemos os nomes e algumas das contribuições de dezenas de antigos cientistas e
matemáticos gregos por um período de quase mil anos. Aristóteles foi um dos melhores. Sua
visão da natureza era tão poderosa que manteve a preponderância muito tempo após sua morte
(voltaremos a ele no Capítulo 5). Contudo, três pessoas que viveram depois de Aristóteles
fizeram contribuições bastante significativas para o desenvolvimento contínuo da ciência.
Euclides (c. 330-c. 260 a.C.) não foi a primeira pessoa a pensar sobre geometria (os
babilônios eram muito bons nisso), mas foi o primeiro a agrupar, em uma espécie de livro-
texto, as pressuposições, as regras e os procedimentos básicos do assunto. A geometria é um
tipo bastante prático de matemática que lida com o espaço: pontos, linhas, superfícies,
volumes. Euclides descreveu ideias geométricas, como, por exemplo, a forma como linhas
paralelas nunca se encontram e como os ângulos de um triângulo somam 180 graus. Sua grande
obra, Elementos de geometria, era admirada e estudada em toda a Europa. Talvez um dia você
também estude a “geometria plana” proposta por ele. Espero que admire sua beleza clara e
organizada.
O segundo dos “três grandes”, Eratóstenes (c. 284-c. 192 a.C.), mediu a circunferência
da Terra de modo bastante simples, porém inteligente: usando geometria. Ele sabia que no
solstício de verão, o dia mais longo do ano, o sol ficava diretamente sobre um lugar chamado
Siena. Então, mediu o ângulo do Sol naquele dia em Alexandria (onde era bibliotecário de um
museu e de uma biblioteca famosos), que ficava em torno de cinco mil estádios ao norte de
Siena. (Um “estádio” era uma medida grega de distância, cerca de um décimo da milha
moderna.) A partir dessas medições, usou geometria para calcular que a Terra tem cerca de
250 mil estádios de circunferência. Afinal, ele chegou perto? A previsão de Eratóstenes de
quarenta mil quilômetros não está muito longe do valor real de 40.075 quilômetros (em torno
do Equador) que conhecemos hoje. Observe que Eratóstenes achava que a Terra era redonda.
Nem sempre se acreditou na ideia de que a Terra era uma grande superfície plana e que as
pessoas podiam navegar até cair na borda, apesar das histórias contadas sobre Cristóvão
Colombo e sua viagem à América.
O último dos “três grandes” também trabalhou em Alexandria, a cidade no norte do
Egito fundada por Alexandre, o Grande. Cláudio Ptolomeu (c. 100-c. 178), como muitos
cientistas do mundo antigo, tinha interesses bastante amplos. Escreveu sobre música, geografia
e a natureza e o comportamento da luz. Porém, a obra que lhe concedeu fama duradoura foi o
Almagesto, com o título dado pelos árabes. Nesse livro, Ptolomeu agrupou e ampliou as
observações de muitos astrônomos gregos, inclusive mapas das estrelas, cálculos dos
movimentos dos planetas, da Lua, do Sol e das estrelas, bem como a estrutura do universo. Ele
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presumia, como todos naquele tempo, que a Terra está no centro de tudo e que o Sol, a Lua, os
planetas e as estrelas giram em torno dela de modo circular. Ptolomeu era um ótimo
matemático e descobriu isso introduzindo algumas correções que conseguiu calcular para os
movimentos dos planetas que ele, e muitos outros antes dele, haviam percebido.
É bem difícil explicar o Sol girando em torno da Terra quando, na verdade, é o oposto
que ocorre. A obra de Ptolomeu era leitura essencial para astrônomos nas terras islâmicas e na
Idade Média europeia. Foi um dos primeiros livros a serem traduzidos para o árabe e depois
novamente para o latim, de tanto que era admirado. De fato, Ptolomeu era considerado
equivalente a Hipócrates, Aristóteles e Galeno por muitos, embora, para nós, esses três
mereçam seus próprios capítulos.
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CAPÍTULO 4
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O PAI DA MEDICINA: HIPÓCRATES
NA PRÓXIMA VEZ EM QUE você tiver uma consulta, pergunte a seu médico se ele fez o
juramento de Hipócrates na cerimônia de graduação. Nem todas as faculdades de medicina
modernas exigem que os alunos o recitem, mas algumas sim, e esse juramento, escrito há mais
de dois mil anos, ainda tem algo a nos dizer. Trataremos disso em breve.
Embora o nome de Hipócrates esteja associado a esse famoso juramento, é provável
que ele não o tenha escrito. Na verdade, ele escreveu apenas alguns dos cerca de sessenta
tratados (livros curtos sobre tópicos específicos) que levam seu nome. Sabemos apenas um
pouco sobre Hipócrates, o homem. Nasceu em torno de 460 a.C., na ilha de Cós, perto da atual
Turquia. Trabalhou como médico, lecionou medicina (sendo pago) e deve ter tido dois filhos e
um genro que também eram médicos. Há um longo histórico de a medicina ser uma tradição
familiar.
O Corpus Hipocrático (corpus é um grupo de escritos) na verdade foi escrito por
muitos indivíduos, ao longo de um período, talvez com duração de até 250 anos. Os vários
tratados nele contidos argumentam pontos de vista diferentes e lidam com os mais variados
assuntos. Entre eles estão o diagnóstico e o tratamento de doenças, como tratar ossos
quebrados e articulações deslocadas, epidemias, como se manter saudável, o que comer e
como o ambiente pode influenciar a saúde. Os tratados também ajudam os médicos a saberem
como se comportar, tanto com os pacientes quanto com outros médicos. Em resumo, os
escritos hipocráticos abrangem a totalidade da medicina conforme era praticada na época.
Além da variedade de assuntos abordados, a época em que os tratados foram escritos
também é digna de nota. Hipócrates viveu antes de Sócrates, Platão e Aristóteles, e em Cós,
uma pequena ilha remota. É incrível que um texto escrito há tanto tempo tenha sobrevivido.
Não havia gráficas, e as palavras tinham que ser arduamente copiadas à mão em pergaminhos,
papiros, argila e outras superfícies para depois serem passadas de pessoa para pessoa. A tinta
desbota, guerras levam à destruição, insetos e intempéries cobram o seu preço. Normalmente
temos apenas cópias desses escritos, feitas muito mais tarde por gerações de pessoas
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interessadas. Quanto mais cópias forem feitas, maior a chance de que algumas sobrevivam.
Os tratados hipocráticos assentaram as bases da medicina ocidental e, portanto,
Hipócrates ainda ocupa uma posição especial. Três princípios amplos orientam a prática
médica há séculos. O primeiro ainda serve de base para a nossa medicina e ciência médica: a
crença firme de que as pessoas adoecem devido a causas “naturais” que têm explicações
racionais. Antes dos hipocráticos, na Grécia e nas terras adjacentes, presumia-se que a doença
tinha uma dimensão sobrenatural. Ficamos doentes porque ofendemos os deuses ou porque
alguém com poderes sobrenaturais lançou-nos um feitiço ou está descontente conosco. E se
bruxas, magos e deuses causavam doenças, era melhor deixar que padres e magos
descobrissem o motivo da doença e a melhor forma de curá-la. Muitas pessoas ainda hoje
usam remédios mágicos, e os curandeiros ainda estão em nosso meio.
Os hipocráticos não eram padres-curandeiros; eram médicos que acreditavam que a
doença era um evento natural e normal. Um tratado, Da doença sagrada, explicita isso com
clareza. Essa obra curta é sobre epilepsia, um distúrbio tão comum agora quanto naquela
época: acredita-se que Alexandre, o Grande, e Júlio César sofriam dessa condição.
Portadores de epilepsia têm ataques, durante os quais podem ficar inconscientes e sofrer
espasmos musculares, e seus corpos se contorcem. Às vezes, urinam em si mesmos. Aos
poucos, o ataque diminui os indivíduos e recuperam o controle do corpo e das funções
mentais. Os epilépticos hoje a consideram um episódio “normal”, mesmo que inconveniente.
No entanto, ver alguém durante um ataque epiléptico pode ser um tanto perturbador, e tão
dramáticas e misteriosas eram as convulsões que os gregos antigos presumiram que essa
condição tinha uma causa divina. Por isso, chamaram-na de “doença sagrada”.
O autor hipocrático do tratado não aceitou nada disso. Sua célebre frase de abertura
afirma de modo contundente: “Não acredito que a ‘doença sagrada’ seja mais divina ou
sagrada do que qualquer outra doença; ao contrário, ela tem características específicas e uma
causa definida. Entretanto, por ser inteiramente diferente de outras doenças, é considerada
uma punição divina por aqueles que, sendo apenas humanos, a veem com ignorância e
espanto”. A teoria do autor era de que a epilepsia é causada por um bloqueio da fleuma no
cérebro. Assim como a maior parte das teorias em ciência e medicina, outras melhores a
substituíram. Contudo, pode-se dizer que o enunciado sólido – que não se pode afirmar que
uma doença tenha causa sobrenatural só porque é incomum ou misteriosa ou difícil de explicar
– representa o princípio norteador da ciência ao longo dos tempos. Talvez não seja
compreendida agora, mas com paciência e trabalho árduo conseguiremos desvendá-la. Esse
argumento é um dos mais duradouros que os hipocráticos nos transmitiram.
O segundo princípio hipocrático era o de que tanto a saúde quanto as doenças são
causadas pelos “humores” do corpo. (Uma expressão antiga é dizer que alguém está de bom ou
mau humor, querendo dizer animado ou desanimado.) Essa ideia está exposta com mais
clareza no tratado Da natureza do homem, que pode ter sido escrito pelo genro de Hipócrates.
Diversas obras hipocráticas mencionam dois humores – fleuma e bile amarela – como causas
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de doenças. Da natureza do homem adicionou mais dois: sangue e bile negra. O autor
argumentou que esses quatro humores exercem funções essenciais em nossa saúde e, quando
estão fora de equilíbrio (quando há excesso ou deficiência de uma ou outra), então ocorre a
doença. Você já deve ter visto seus próprios fluidos corporais quando esteve doente. Quando
estamos com febre, suamos bastante; quando temos um resfriado ou uma infecção respiratória,
o nariz escorre e expelimos muco. Quando estamos com dor de barriga, vomitamos, e a
diarreia expele fluidos pela outra extremidade. Um arranhão ou corte pode causar sangramento
na pele. Menos comum hoje é a icterícia, quando a pele fica amarela. A icterícia pode ser
causada por muitas doenças que afetam os órgãos que compõem os fluidos corporais,
inclusive malária, comum na Grécia antiga.
Os hipocráticos associaram cada um desses humores a um órgão do corpo: sangue com
o coração, bile amarela com o fígado, bile negra com o baço e fleuma com o cérebro. O autor
de Da doença sagrada acreditava que a epilepsia era causada pela fleuma bloqueada no
cérebro. Outras doenças – não só resfriados ou diarreia, com suas alterações evidentes nos
fluidos – eram associadas a mudanças nos humores. Cada humor tinha suas propriedades:
sangue é quente e úmido; fleuma é fria e úmida; bile amarela é quente e seca; bile negra é fria
e seca. Esses tipos de sintomas podem, de fato, ser vistos em pessoas doentes: quando está
inflamada com sangue, uma ferida fica quente; quando temos um resfriado, sentimos frio e
tremores. (Galeno, que desenvolveu ideias hipocráticas cerca de seiscentos anos atrás,
também atribui essas mesmas características de quente, frio, úmido e seco aos alimentos que
ingerimos ou às drogas que podemos tomar.)
A cura de todas as doenças era restaurar o equilíbrio de humores que fosse melhor para
cada paciente. Isso significava que, na prática, a medicina hipocrática era mais complicada do
que simplesmente seguir instruções para retornar cada humor a seu estado “natural”. Cada
indivíduo tinha o próprio equilíbrio saudável dos humores, então o médico precisava saber
tudo sobre seu paciente: onde vivia, o que comia, como ganhava a vida. Era preciso conhecer
bem o paciente para afirmar a probabilidade de algo acontecer, ou seja, dar um prognóstico.
Quando estamos doentes, a maioria de nós quer saber o que esperar e como melhorar. Os
médicos hipocráticos davam muita importância em conseguir prever o que aconteceria. Se a
previsão estivesse correta, sua reputação aumentava e eles ganhavam mais pacientes.
A medicina que os hipocráticos aprendiam e depois ensinavam aos discípulos
(geralmente seus filhos ou genros) baseava-se na observação atenta de doenças e do curso que
tomavam. Anotavam suas experiências, muitas vezes na forma de resumos breves chamados de
“aforismos”. Os aforismos são uma das obras hipocráticas mais usadas por médicos de
gerações posteriores.
A terceira abordagem mais importante dos hipocráticos à saúde e à doença foi resumida
pela expressão latina vis medicatrix naturae, que significa “o poder curativo da natureza”.
Hipócrates e seus seguidores interpretavam os movimentos dos humores durante a doença
como sinais da tentativa do corpo de se curar. Assim, suor, muco, vômitos e pus de abscessos
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eram vistos como o corpo expelindo – ou “cozinhando” (metáforas de culinária eram bastante
usadas) – os humores. O corpo fazia isso para se livrar de excessos ou para modificar ou
purificar maus humores alterados pela doença. O trabalho do médico, portanto, era auxiliar a
natureza no processo natural de cura. O médico era servidor da natureza, não seu mestre, e os
processos da doença deveriam ser aprendidos pela observação atenta do que realmente
ocorria durante a doença. Muito mais tarde, um médico cunhou o termo “doença autolimitada”
para descrever essa tendência, e todos sabem que muitas doenças melhoram por conta própria.
Entre os médicos, conta-se a piada de que, se tratarem uma doença, ela desaparecerá em uma
semana; porém, se não a tratarem, levará sete dias. Os hipocráticos concordariam com isso.
Além das muitas obras sobre medicina e cirurgia, higiene e epidemia, os hipocráticos
legaram-nos o Juramento, ainda uma fonte de inspiração para os médicos de hoje. Parte desse
breve documento discute as relações entre o jovem estudante e seu mestre, assim como entre
os médicos. A maior parte, porém, discorre sobre o comportamento apropriado que os
médicos devem adotar em relação ao paciente. Nunca devem tirar proveito dos pacientes,
espalhar fofocas sobre segredos que venham a ouvir do enfermo nem administrar algum tipo
de veneno. Todas essas questões ainda são cruciais na ética médica moderna, mas um
enunciado hipocrático do Juramento soa particularmente eterno: Aplicarei os regimes para o
bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a
alguém. “Não causar dano ao doente” ainda deve ser o objetivo de todo médico.
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CAPÍTULO 5
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“O MESTRE DOS QUE SABEM”: ARISTÓTELES
“TODOS OS HOMENS, POR NATUREZA, desejam saber”, disse Aristóteles. Você já deve
ter conhecido alguém assim, sempre disposto a aprender mais. Talvez já tenha encontrado
vários sabe-tudo que perderam a curiosidade que sempre permaneceu importante para
Aristóteles. A visão esperançosa dele era de que as pessoas aspiram ao conhecimento sobre si
mesmas e sobre o mundo. Infelizmente, sabemos que nem sempre é assim.
Aristóteles passou a vida inteira aprendendo e ensinando. Nasceu em 384 a.C., em
Estagira, Trácia (hoje Calcídica, na Grécia). Era filho de um médico, mas desde os dez anos
de idade foi criado e educado por Proxeno, seu tutor. Quando tinha mais ou menos dezessete
anos, Aristóteles foi a Atenas para estudar na famosa Academia de Platão. Lá, ficou por vinte
anos. Embora a abordagem de Aristóteles ao mundo natural fosse inteiramente distinta da de
Platão, tinha alto apreço pelo professor e escreveu sobre a obra dele com carinho após sua
morte, em 347 a.C. Alguns dizem que a história da filosofia ocidental é uma série de notas de
rodapé para Platão; o que isso quer dizer é que Platão suscitou muitas das perguntas sobre as
quais os filósofos ainda se debruçam. Qual é a natureza da beleza? O que é a verdade ou o
conhecimento? Como podemos ser bons? Qual é a melhor maneira de organizar nossas
sociedades? Quem faz as regras pelas quais vivemos? O que nossa experiência das coisas do
mundo nos diz sobre o que “realmente” são?
Aristóteles também estava intrigado por muitas dessas questões filosóficas, mas tendia
a respondê-las de uma forma que se pode chamar de “científica”. Assim como Platão, ele era
um filósofo, mas um filósofo natural, o que estamos chamando de “cientista”. O ramo da
filosofia que mais o empolgava era a lógica – como se pensar com mais clareza. Estava
sempre ocupado com o mundo a seu redor, no solo e no firmamento, e com o modo como as
coisas naturais mudam.
Boa parte dos escritos de Aristóteles se perdeu, mas temos sorte de ter algumas de suas
notas de aula. Ele saiu de Atenas após a morte de Platão, provavelmente porque se sentia
inseguro sendo um estrangeiro lá. Passou alguns anos na cidade de Assos (agora na Turquia),
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onde criou uma escola, casou-se com a filha do governante local e, depois da morte dela,
viveu com uma escrava, com quem teve um filho, Nicômaco. Foi lá que Aristóteles começou
suas investigações biológicas, continuadas na ilha de Lesbos. Em 343 a.C., aceitou um
emprego muito importante: ser tutor de Alexandre, o Grande, na Macedônia (agora um país
separado, ao norte da Grécia). Ele esperava transformar o pupilo em um governante sensível à
filosofia; não teve êxito, mas Alexandre veio a governar grande parte do mundo conhecido,
inclusive Atenas, por isso Aristóteles pôde retornar em segurança para aquela cidade. Em vez
de voltar à Academia de Platão, Aristóteles fundou uma nova escola nos arredores de Atenas.
Havia um passeio público (peripatos em grego), razão pela qual os seguidores de Aristóteles
ficaram conhecidos como peripatéticos ou aqueles que estão em constante movimento: um
nome apropriado, considerando quanto o próprio Aristóteles movia-se de um lugar para o
outro. Após a morte de Alexandre, Aristóteles perdeu apoio em Atenas e, por isso, mudou-se
uma última vez, para Cálcis, na Grécia, onde morreu logo depois.
Aristóteles teria se intrigado ao ser descrito como cientista; ele era apenas um filósofo
no sentido literal da palavra: um amante da sabedoria. Contudo, passou a vida tentando
encontrar sentido no mundo e de maneiras que hoje seriam descritas como científicas. Sua
visão da Terra, das criaturas e do firmamento influenciou nosso entendimento por mais de
1.500 anos. Junto com Galeno, elevou-se sobre todos os outros pensadores antigos.
Desenvolveu o que veio antes, é evidente, mas não era um filósofo de poltrona. Na verdade,
envolveu-se com o mundo material enquanto tentava entendê-lo.
Podemos separar sua ciência em três partes: o mundo vivo (vegetais e animais,
inclusive os seres humanos); a natureza da mudança, ou movimento, que está contida, em
grande parte, em uma obra intitulada Física; e a estrutura do firmamento ou a relação entre a
Terra e o Sol, a Lua, as estrelas e outros corpos celestes.
Aristóteles dedicou muito tempo ao estudo de como vegetais e animais estão agrupados
e como eles funcionam. Queria saber como se desenvolviam antes de nascer, chocar ou
germinar e, depois disso, como cresciam. Não havia microscópio, mas sem dúvida sua vista
era boa. Descreveu brilhantemente o modo como os pintinhos se desenvolvem dentro do ovo.
Depois que os ovos eram postos, ele quebrava um por dia. O primeiro sinal de vida que viu
foi uma nódoa de sangue pulsando no que se tornaria o coração do pinto. Isso o convenceu de
que o coração era o principal órgão nos animais. Acreditava que o coração era o centro da
emoção e do que chamaríamos de vida mental. Platão (e os hipocráticos) localizaram essas
funções psicológicas no cérebro e estavam certos. No entanto, quando se está com medo,
nervoso ou apaixonado, o coração bate mais rápido, por isso a teoria de Aristóteles não era
simplória. Ele atribuiu as funções de animais superiores, como os seres humanos, às
atividades de uma “alma”, que tem diversas faculdades ou funções. Nos humanos, havia seis
faculdades principais da alma: nutrição e reprodução, sensação, desejo, movimento,
imaginação e razão.
Todos os serem vivos têm algumas dessas capacidades. As plantas, por exemplo,
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podem crescer e reproduzir-se; os insetos, como as formigas, também podem mover-se e
sentir. Outros animais maiores e mais inteligentes adquirem mais funções, porém Aristóteles
acreditava que só os seres humanos podiam raciocinar, ou seja, conseguiam pensar, analisar e
decidir sobre um curso de ação. Portanto, os seres humanos estavam no topo da scala naturae
(“escala de natureza” ou “cadeia de seres”) de Aristóteles. Tratava-se de um tipo de escada na
qual todas as coisas vivas podiam ser dispostas, começando com plantas simples e
continuando de forma crescente. Essa ideia foi adotada repetidas vezes por diferentes
naturalistas, pessoas que estudam a natureza, sobretudo vegetais e animais. Fique atento a ela
nos próximos capítulos.
Aristóteles encontrou uma boa maneira de descobrir o que é feito pelas diversas partes
de um vegetal ou de um animal, como folhas, asas, estômago ou rins. Presumiu que a estrutura
de cada parte era projetada tendo em mente uma função específica. Dessa forma, as asas eram
projetadas para o voo; o estômago, para a digestão do alimento; os rins, para o processamento
da urina. Esse tipo de raciocínio é chamado de teleológico: um telos é uma causa final, e essa
maneira de pensar concentra-se em como as coisas são ou no que fazem. Pense em uma xícara
ou em um par de sapatos. Ambos têm determinada forma porque a pessoa que os criou tinha
um objetivo específico: conter líquidos para beber e proteger os pés ao caminhar. O
raciocínio teleológico aparecerá mais tarde no livro, não só para explicar por que vegetais ou
animais têm as várias partes que os compõem, mas também no mundo físico mais amplo.
As plantas germinam e os animais nascem, crescem e, então, morrem. As estações vêm
e vão com regularidade. Se você solta um objeto, ele cai no chão. Aristóteles queria explicar
mudanças como essas. Duas ideias eram muito importantes para ele: “potencialidade” e
“atualidade”. Seus professores ou pais podem dizer-lhe para atingir seu potencial: isso
geralmente quer dizer algo como obter as melhores notas possíveis em um exame ou correr o
máximo que consegue em uma corrida. Isso é parte da ideia de Aristóteles, mas ele via um
tipo diferente de potencial nas coisas. Na visão dele, uma pilha de tijolos tem o potencial de
se tornar uma casa, enquanto um bloco de pedra tem o potencial de ser uma estátua. A
construção e a escultura transformam esses objetos inanimados de um tipo de potencial para
um tipo de coisa acabada ou “atualidade”. A atualidade é uma extremidade da potencialidade,
quando as coisas com potencialidade encontram seu “estado natural”.
Por exemplo, quando as coisas caem, como maçãs de uma macieira, Aristóteles
acreditava que elas buscavam seu estado “natural”, que é estar na terra. Uma maçã não criará
asas nem voará de repente, porque ela e todas as outras coisas em nosso mundo procuram a
terra, e uma maçã voadora seria bastante não natural. Essa maçã caída pode continuar a mudar
– apodrecerá se ninguém a colher e comê-la, porque isso também é parte do ciclo de
crescimento e deterioração de uma maçã. Contudo, só por cair, já atingiu um tipo de
atualidade. Até os pássaros retornam à terra depois de voarem pelo céu.
Se o local de descanso “natural” é em terra firme, o que dizer da Lua, do Sol, dos
planetas e das estrelas? Eles podem estar lá em cima, como uma maçã pendurada em uma
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árvore, ou uma rocha na beira de uma montanha, mas nunca colidem com a Terra. Ainda bem.
A resposta de Aristóteles era simples. Da Lua para baixo, a mudança está sempre
acontecendo; isso ocorre porque o mundo é composto de quatro elementos: fogo, ar, terra e
água (e suas propriedades: fogo quente e seco; ar quente e úmido; terra fria e úmida; água fria
e úmida). Porém, acima da Lua, as coisas são feitas de um quinto elemento imutável: a
quintessência (“quinta essência”). Os corpos celestes movem-se para sempre em perfeito
movimento circular. O universo de Aristóteles preenchia um espaço fixo, mas não um tempo
fixo. O Sol, a Lua e as estrelas movem-se por toda a eternidade em torno da Terra, que flutua
no centro de tudo. Há um adorável paradoxo aqui, pois a Terra, o centro, também é a única
parte do universo em que podem ocorrer mudança e deterioração.
Em primeiro lugar, o que causou todo esse movimento em torno da Terra? Aristóteles
estava bastante preocupado com a causa e desenvolveu um esquema para tentar explicar as
causas dividindo-as em quatro tipos. Eram chamadas de causas materiais, formais, eficientes e
finais, e ele pensava que as atividades humanas, bem como o que acontece no mundo, podiam
ser assim divididas e compreendidas. Pense em criar uma estátua a partir de um bloco de
pedra. A pedra em si é a causa material, a matéria da qual é feita. A pessoa que faz a estátua
dispõe as coisas de determinada maneira formal, para que a estátua assuma uma forma. A
causa eficiente é o ato de esculpir a pedra para criar a forma. A causa final é a ideia que o
escultor tinha em mente – a forma, digamos, de um cão ou de um cavalo –, que era o plano de
toda a atividade.
A ciência sempre lidou com causas. Os cientistas querem saber o que acontece e por
quê. O que faz com que uma célula comece a se dividir sem cessar, resultando no
desenvolvimento de câncer em uma pessoa? O que deixa as folhas marrons, amarelas e
vermelhas no outono, uma vez que estavam verdes o verão inteiro? Por que o pão cresce
quando se coloca fermento nele? Essas e muitas perguntas semelhantes podem ser respondidas
em termos de várias “causas”. Por vezes, as respostas são bastante simples; em outras,
bastante complexas. Na maior parte, os cientistas lidam com o que Aristóteles chamou de
causas eficientes, mas o material e as causas formais também são importantes. As causas
finais suscitam um conjunto distinto de questões. Em experimentos científicos modernos, os
cientistas se satisfazem em explicar os processos, em vez de buscar uma explicação mais
ampla ou causa final, que tem mais a ver com religião ou filosofia.
Contudo, no século IV a.C., Aristóteles acreditava que essas causas finais eram parte do
quadro geral. Analisando o universo como um todo, argumentou que deveria haver alguma
causa final que tivesse começado o processo todo do movimento. A isso deu o nome de
“motor imóvel” e, mais tarde, muitas religiões (cristianismo, judaísmo e islamismo, por
exemplo) identificaram essa força com seu deus. Essa foi uma das razões pelas quais
Aristóteles continuou a ser celebrado como um pensador tão influente. Ele criou uma visão de
mundo que dominou a ciência por quase dois mil anos.
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CAPÍTULO 6
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O MÉDICO DO IMPERADOR: GALENO
GALENO (129-C. 210) ERA MUITO inteligente e não tinha medo de afirmá-lo. Estava
sempre rabiscando, e seus escritos são repletos de opiniões e feitos próprios. Mais palavras
suas sobrevivem do que as de qualquer outro autor do tempo antigo, o que comprova que as
pessoas tinham alto apreço pelas obras de Galeno. Há vinte volumes espessos à disposição
para ler, e na verdade ele escreveu muito mais. Então, sabemos mais sobre Galeno do que
sobre a maioria dos outros pensadores antigos. É bem verdade que ele também adorava
escrever sobre si mesmo.
Galeno nasceu em Pérgamo, hoje parte da Turquia, mas que na época ficava na periferia
do Império Romano. Seu pai era um próspero arquiteto devotado ao filho talentoso,
garantindo-lhe uma educação sólida (em grego) que incluía filosofia e matemática. Quem sabe
o que teria acontecido se o pai dele não tivesse tido um sonho vívido, dizendo a ele que o
filho deveria se tornar médico? Galeno trocou os estudos para medicina. Após a morte do pai,
que o deixou bem de vida, passou vários anos viajando e aprendendo, passando tempo na
biblioteca e no museu famosos de Alexandria, no Egito.
De volta a Pérgamo, Galeno tornou-se médico dos gladiadores – os homens escolhidos
para entreter cidadãos abastados lutando entre si ou enfrentando leões e outras feras na arena.
O cuidado deles era um trabalho importante, uma vez que os pobres precisavam ser
remendados entre as apresentações para que pudessem seguir lutando. Segundo ele próprio,
Galeno teve um enorme sucesso. Adquiriu uma vasta experiência no tratamento cirúrgico de
ferimentos. Também conquistou uma reputação considerável entre os ricos e, em torno do ano
160, dirigiu-se a Roma, a capital do Império Romano. Começou a escrever sobre anatomia (o
estudo das estruturas corporais de humanos e animais) e fisiologia (o estudo do que essas
estruturas fazem). Ele também acompanhou o imperador Marco Aurélio em uma campanha
militar. O imperador era o autor de uma série famosa de Meditações, e os dois discutiam
filosofia durante a longa campanha. Marco Aurélio estimava Galeno, e este se beneficiava do
apoio do imperador. Um fluxo constante de pacientes importantes era enviado a ele, os quais,
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caso os relatos de Galeno sejam verdadeiros, sempre eram curados, se possível.
O herói médico de Galeno era Hipócrates, embora já estivesse morto há mais de
quinhentos anos. Galeno se via como alguém que completaria e ampliaria o legado do mestre
e, de muitas formas, foi exatamente isso que fez. Produziu comentários sobre muitas obras de
Hipócrates e presumiu que aquelas mais semelhantes às suas ideias haviam sido escritas
mesmo por Hipócrates. Seus comentários sobre Hipócrates ainda são preciosos, sobretudo
porque Galeno era um linguista especializado com um ótimo olho para a alteração de
significado das palavras. O que é mais importante é que ele expressou a doutrina hipocrática
dos humores na maneira como foi utilizada por mais de mil anos. Imagine tamanha influência!
A ideia do equilíbrio e desequilíbrio dos humores era crucial à prática médica de
Galeno. Assim como Hipócrates, ele acreditava que os quatro humores – sangue, bile amarela,
bile negra e fleuma – eram, de formas especiais, quentes ou frios, úmidos ou secos. Para tratar
uma enfermidade, escolhia-se um remédio “oposto”, mas também com a mesma intensidade.
Assim, doenças que eram quentes e úmidas no terceiro grau, por exemplo, seriam tratadas com
um remédio frio e seco no terceiro grau. Por exemplo, se o paciente tivesse coriza e sentisse
calafrios, seriam usados medicamentos e alimentos secos e quentes. Restabelecendo o
equilíbrio dos humores, seria possível restaurar um estado “natural” saudável. Isso tudo era
muito lógico e simples, mas na verdade as coisas eram mais complicadas. Os médicos ainda
precisavam obter muitas informações sobre os pacientes e administrar os remédios com
cuidado. Galeno não demorava em assinalar quando outros médicos erravam (o que ocorria
com frequência) para que todos soubessem que seus diagnósticos e terapias eram melhores.
Ele era um médico perspicaz e muito requisitado que prestava bastante atenção aos aspectos
mentais e físicos da saúde e da doença. Certa vez, diagnosticou um caso de “doença do amor”,
em que uma jovem ficava fraca e nervosa sempre que um dançarino belo se apresentava na
cidade.
Galeno propôs a prática de sentir o pulso do paciente – algo que os médicos fazem até
hoje. Ele escreveu um tratado sobre como o pulso – lento ou rápido, forte ou fraco, regular ou
irregular – podia ser útil no diagnóstico da doença, mesmo que não tivesse nenhuma ideia
sobre a circulação do sangue.
Galeno estava mais interessado em anatomia do que os hipocráticos. Ele abria os
corpos de animais mortos e examinava esqueletos humanos sempre que tinha oportunidade. A
dissecação de cadáveres não era bem-vista nas sociedades antigas, por isso Galeno não podia
realizá-la, mas acreditamos que alguns dos primeiros médicos recebiam permissão para
examinar os corpos de criminosos condenados enquanto ainda estavam vivos. Galeno
aprendeu sobre anatomia humana a partir de dissecações de animais, como porcos e macacos,
e por lances de sorte – a descoberta de um cadáver em decomposição ou ferimentos graves
que mostravam a estrutura da pele, dos músculos e dos ossos. Os cientistas ainda usam
animais nas pesquisas, embora devam tomar cuidado em esclarecer de onde obtiveram as
informações. Galeno geralmente se esquecia de mencionar de onde tinha obtido seus achados,
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o que podia ser confuso.
A anatomia, para Galeno, era um assunto importante por direito próprio, mas também
essencial ao entendimento do que realmente faziam os órgãos do corpo. Um de seus tratados
mais influentes foi intitulado Dos usos das partes, analisando as estruturas das “partes”, ou
órgãos, e a função que exerciam no funcionamento de todo o corpo humano. Galeno presumiu,
como você o faria, que cada parte faz algo, do contrário não estaria ali. (Duvido que ele tenha
visto o apêndice humano. É provável que essa parte minúscula de nossos órgãos digestivos há
muitíssimo tempo tenha nos ajudado a digerir plantas, mas não tem mais função alguma.)
No centro de toda a função corporal estava uma substância que os gregos chamavam de
pneuma. “Pneuma” não é de fácil tradução: usaremos “espírito”, mas essa palavra também
transmite a ideia de “ar”; ela deu origem a vários termos médicos de nosso tempo, como
“pneumonia”. Para Galeno, o corpo continha três tipos de pneuma, e entender o que cada um
fazia era essencial à compreensão de como o corpo funciona. O tipo mais básico de pneuma
era associado ao fígado e tinha a ver com a nutrição. O fígado, acreditava Galeno, era capaz
de obter material do estômago depois de ter sido ingerido e digerido, transformá-lo em sangue
e, a seguir, infundi-lo com espírito “natural”. Esse sangue do fígado percorria as veias por
todo o corpo para nutrir os músculos e outros órgãos.
Parte desse sangue passava do fígado através de uma veia grande, a vena cava, para o
coração, onde era novamente refinado por outro espírito, o “vital”. O coração e os pulmões
trabalhavam em conjunto nesse processo, parte do sangue passando pela artéria pulmonar
(vindo do lado direito do coração) e indo para os pulmões. Ali, nutria os pulmões e também
se misturava com o ar que respiramos pelos pulmões. Enquanto isso, parte do sangue no
coração passava da direita para a esquerda através da porção mediana do coração (o septo).
Esse sangue era vermelho vivo porque, segundo Galeno, continha o espírito vital infundido
nele. (Galeno reconheceu que o sangue nas artérias tem uma cor diferente do sangue nas
veias.) Do lado esquerdo do coração, o sangue saía pela aorta, a artéria grande que recebe
sangue da câmara (ou ventrículo) esquerda do coração para aquecer o corpo. Apesar de
reconhecer a importância do sangue na vida de um indivíduo, Galeno não tinha ideia de que
ele circula, como William Harvey viria a descobrir quase 1.500 anos depois.
No esquema de Galeno, parte do sangue do coração também ia para o cérebro, onde era
misturado com o terceiro tipo de pneuma, o espírito “animal”. Esse era o tipo mais refinado
de espírito. Dava ao cérebro funções especiais próprias e fluía pelos nervos, permitindo a
movimentação usando os músculos e a experiência do mundo externo através dos sentidos.
O sistema de espíritos em três partes de Galeno, cada qual associada a órgãos
importantes (fígado, coração e cérebro), foi aceito por mais de mil anos. Vale lembrar que
Galeno utilizou esse sistema basicamente para explicar como o corpo funciona quando está
saudável. Quando cuidava de pacientes doentes, ele continuava a se basear no sistema de
humores desenvolvido pelos hipocráticos.
Galeno também escreveu sobre a maior parte dos aspectos da medicina, como as drogas
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e suas propriedades, as doenças dos órgãos especiais, como os pulmões, a higiene ou sobre
como preservar a saúde e a relação entre mente e corpo. Seu pensamento era bastante
sofisticado. De fato, acreditava que um médico deveria ser filósofo e investigador: pensador e
pesquisador. Argumentava que a medicina deveria, acima de tudo, ser uma ciência racional e
prestou muita atenção às melhores formas de se obter conhecimento de qualidade e confiável.
Médicos posteriores, que também se viam como homens sábios de ciência, gostavam da
mistura de conselhos práticos (baseados em sua vasta experiência) e pensamento amplo de
Galeno. Nenhum médico ocidental em toda a história exerceu tamanha influência por tanto
tempo.
Há diversos motivos para explicar a longa sombra de Galeno. Primeiro, ele tinha
elevada consideração por Aristóteles, tanto que era comum mencionar ambos juntos. Assim
como Aristóteles, Galeno era um pensador profundo e investigador enérgico do mundo.
Ambos acreditavam que este mundo fora projetado e glorificavam o Criador. Galeno não era
cristão, mas acreditava em um único Deus, e tornou-se fácil para os antigos comentaristas
cristãos incluí-lo na congregação cristã. Sua confiança significava que tinha uma resposta para
tudo. Como a maioria dos que escrevem muitos livros por um longo período, nem sempre foi
consistente, mas manteve-se firme em suas opiniões. Era comum ser referido posteriormente
como “o divino Galeno”, um rótulo do qual teria se orgulhado.
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